domingo, 28 de junho de 2009

Vida Real

É do livro do escritor Philip Roth , O animal agonizante[i], a adaptação feita para o cinema, que nos USA recebeu o título de Elegy (Elegia,termo usado para pequenos poemas que falam sobre o luto e tristeza ou somente enunciam um sentimento queixoso e melancólico) mas no Brasil foi traduzido para Fatal, um pouco para não deixar dúvidas quanto a sua densidade. Dizem que os artistas estão sempre um pouco à frente de seu tempo e graças a sua intuição conseguem captar melhor não só as nuances da alma humana, mas os dilemas que se configuram a cada época histórica, fazendo com que nós, simples mortais, possamos nos reconhecer nas letras da música, na escrita de um texto ou no olhar marejado de lágrimas de uma cena que nos toca. Para um espectador desavisado, porém, a história deste professor aposentado, conhecido pelo público por apresentar um programa sobre cultura na TV, lecionar um curso livre sobre crítica literária na universidade e seduzir alunas com um terço de sua idade, poderia simplesmente aumentar o rol das histórias de encontros e desencontros amorosos. Mas se ficarmos atentos a certos detalhes, esta trama nos fornece pistas interessantes dos conflitos e dos destinos das relações amorosas atuais. Kepesh, o professor, tem 62 anos quando a história começa. Seu único filho, médico bem sucedido, casado, fruto do seu casamento ao qual ele se refere como uma experiência desagradável, devota-lhe um grande ressentimento e muito desprezo pelas escolhas paternas de independência e liberdade. Mas a vida de Kepesh é mais banal do que ele próprio supõe. Fora as eventuais caçadas às alunas, mantém há vinte anos um relacionamento eventual e superficial com uma executiva cujo trabalho impõe viagens constantes, e uma amizade fiel com um colega poeta, a quem admira ( e de certa maneira inveja) por sua convicta carreira de sedutor ( embora seja casado) e com quem divide dúvidas e busca certezas sobre as relações entre homens e mulheres. Apesar de seu mal estar em relação à distancia do filho, Kapesh tenta seguir à risca a receita do amigo para as questões que envolvem sexo, casamento, fidelidade, comprometimento e velhice. Mas suas certezas tão acalentadas desmoronam quando repentinamente se apaixona por Consuela, sua aluna cubana, que aos poucos passa a colorir sua vida preto-e-branca. Consuela (Penélope Cruz) admira a erudição de Kepesh e aceita feliz o intenso desejo deste homem bem mais velho por seu corpo lindo e jovem, em troca da possibilidade de se alimentar de seu patrimônio cultural e artístico. Acostumada a ser honesta com seus sentimentos, ela não se cala diante dos silêncios e temores de Kepesh, traduzindo-os e elucidando a ele, seus ciúmes, sua angústia diante da possibilidade de ser trocado por homens mais jovens e seu medo em se comprometer com algum futuro sem garantias. Diante deste turbilhão inesperado, Kepesh se agarra às antigas convicções sobre o celibato e o sexo livre que seu amigo poeta não cansa de repetir e impõe um rompimento à relação quando não comparece à festa de conclusão do mestrado de Consuela. Mas cai em depressão, quando ela, percebendo que sua ausência era sua impossibilidade, não o procura mais. O filme ainda reserva algumas surpresas que não teriam sentido serem reveladas aqui. Mas permite-nos problematizar os modelos de relacionamentos aos quais ainda nos agarramos sem nos darmos conta que o único item que promove qualquer longevidade em qualquer parceria é o desejo e empenho de comprometimento. Todos os outros ingredientes, necessários ou não, só sobrevivem se este primeiro estiver no leme. Mas para isso precisamos de uma boa dose de coragem.

[1] Animal Agonizante, Philip Roth , Companhia das Letras, 2001


Coluna do dia 21 de outubro de 2008

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