sábado, 20 de junho de 2009

A vida: como ela é ?

Dois filmes em cartaz , A vida dos outros e 4 meses, 2 dias e 3 horas se dispõem a abrir as cortinas dos anos em que a Alemanha Oriental e a Romênia (respectivamente ) estiveram sob o regime socialista. Ambos privilegiam os bastidores da vida oprimida e os dramas destes indivíduos cuja liberdade cerceada favoreceu a hipocrisia social e certas perversidades que todas as ditaduras geram.
No primeiro ( melhor filme estrangeiro do Oscar 2007), uma vigilância da STASI, a polícia secreta da então República Democrática Alemã, passa a escutar a vida de um escritor e diretor de teatro buscando evidências de idéias contrárias ao regime. Mas, o agente destacado para espionar, considerado um dos mais eficientes desta polícia, acaba capturado pelo que ouve e sem que possa se impedir, faz um mergulho subjetivo que o obriga a questionar os princípios ideológicos aos quais se submete e a coerência destes.
O que ele escuta que o perturba tanto? A vida íntima e cotidiana de um homem e uma mulher que compartilham princípios humanistas, presente nos cuidados, trocas e negociações exigidas em uma relação amorosa, no convívio solidário com os amigos ou nas soluções escolhidas para os obstáculos que a vida sem liberdade impõe a eles. São seus dilemas morais, a compaixão pela dor do outro, o respeito pelas diferenças ( o que já seria um contraponto interessante diante da invasão de privacidade alheia que ele protagoniza), mas principalmente a tolerância aos mandatos impostos a cada um , obrigando-os a fazer escolhas nem sempre desejadas.
As cenas permite-nos acompanhar o agente da STASI dividido entre sua militância quase inquestionável e uma espécie de construção de novos sentidos para a vida humana, o que o faz escolher transgredir as regras a que havia se submetido tantos anos, em favor de um ato de solidariedade ao casal.
4 meses, 2 dias e 3 horas é o tempo de gravidez de uma das protagonistas deste filme romeno (Palma de Ouro em Cannes 2007) quando decide abortar. Na época em que o filme se passa a Romênia, na pessoa de seu ditador Nicolai Ceaucescu, havia proibido o aborto e se este fosse feito após o quarto mês de gravidez seria considerado homicídio. Mas as medidas restritivas não paravam por aí. Visando aumentar a taxa de natalidade e conseqüentemente o número de trabalhadores, todas as mulheres abaixo de 45 anos estavam proibidas de usar método anticoncepcional e aquelas com mais de 25 anos, que não tivessem filhos eram obrigadas a pagar multas. Sem privilegiar as controvérsias no plano moral que o tema do aborto suscita, o filme concentra-se na saga de Gabita, a estudante grávida e a corajosa Otilia, sua companheira de quarto, em uma verdadeira seqüência de a vida como ela é. Um outro mundo paralelo, em que é possível comprar qualquer coisa proibida apresenta-se como um apêndice inquestionável e a atmosfera difusa daqueles anos sombrios se impõe como um fundo de um real que precisa ser enfrentado : fazer o que pode e dá para ser feito, seguindo um desejo de ser livre para escolher. Apesar da truculência da realidade apresentada, seja pelo traumático do ato de abortar, ou pelo obsceno abuso de poder, nos poucos momentos em que os personagens falam de si, de sua relação com a realidade em que vivem e de sua relação com os outros, é a vida humana que se apresenta com toda a sua complexidade, incertezas e precariedade. Não se pode vive-la na gratuidade: ela exige esforço e responsabilidade na tarefa de lhe dar sentido.

coluna do dia 12/02/2008

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