segunda-feira, 29 de junho de 2009

Sagrada família

Na Revista Veja de 22 de outubro último, há uma entrevista do filósofo francês Luc Ferry , que já foi Ministro da Educação de seu país em 2004, e lançou recentemente um livro cujo instigante título é Família, Amo Vocês. Nesta entrevista o filósofo defende a família atual, e ao contrário do que se poderia supor diante das mudanças de valores e da desconstrução do modelo tradicional pai-mãe-filhos para todo o sempre, afirma ser ela o último reduto do sagrado para a humanidade, pelo menos no Ocidente. Não é difícil entender as razões pelas quais as relações familiares passaram a ser as únicas pelas quais, como disse o filósofo, estaríamos dispostos a viver e a morrer. A tragédia ocorrida há poucos dias em torno do seqüestro e morte de Eloá revela o lado sombrio deste quadro. Faz menos de dois séculos que passamos a nos casar ou eleger parceiros por amor e constituir um núcleo familiar em que nossos filhos ocupariam o lugar de privilégio absoluto em nossas vidas. Hoje nos parece um fato indiscutível tanto a importância que dispensamos à infância , quanto nossos investimentos para evitar situações de sofrimento ou de prejuízo aos nossos infantes. É comum ouvirmos que a dor mais absoluta e infinitamente mais dilacerante é a que sentimos quando perdemos um filho, seja por motivos justificáveis ou não. Por outro lado, ainda que fiquemos perplexos diante das mortes impulsionadas pela paixão amorosa, elas também são parte de nossa crença no valor do amor. Em um circuito amoroso que se repete indefinidamente na atualidade, o amor que é esperado que tenhamos de nossos pais vai nos proporcionar o amor que nutrimos por nós mesmos e fará com que busquemos o mesmo reconhecimento e valor deste amor nos outros que iremos eleger.Mas também é verdade que teremos que encontrar maneiras de nos amar mesmo quando não formos tão amados quanto gostaríamos, e talvez busquemos em nossas escolhas amorosas o amor que deveríamos ter recebido. O que dizer da hostilidade e do ódio que podem organizar a violência dos encontros humanos a partir da quebra deste circuito que é hoje nosso ideal amoroso moderno? Tornamo-nos reféns do amor e com isso buscamos todos sermos únicos, amados e especiais para alguém assim como acreditamos que fomos ou deveríamos ter sido amados por nossos pais. Até mesmo as normas e leis que regiam as relações familiares há bem pouco tempo sucumbiram ao argumento deste amor. Se a criação de deuses e mitos foi em nosso passado recente uma forma de proteção à nossa fragilidade diante de nossa finitude e uma maneira de respondermos aos enigmas de nossa existência, o amor que hoje permeia as relações familiares é um ideal que nos proporciona uma visão de vida, nos oferece alguma remissão e um significado à nossa existência. Não é difícil imaginarmos que para a maioria de nós, as inúmeras opções que nosso mundo contemporâneo produz no intuito de nos oferecer felicidade só ganham sentido se forem vividas com nosso parceiro(a) amoroso ou com nossos queridos rebentos.Sem esquecermos, é claro, que somos nós e nossos desejos, quem definem os caminhos de nossa cultura.


Coluna do dia 4 de novembro de 2008

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