domingo, 28 de junho de 2009

Que não tem nome

Pudemos acompanhar passo a passo pela mídia o trágico desfecho do “enamorado” que invadiu a casa de sua ex- namorada e anunciou ao mundo durante cinco dias, que não poderia aceitar o fim de seu namoro. Estes atos tresloucados que revelam a fúria humana diante de situações de muita impotência, provocam um sentimento de horror em todos e em geral despertam anseios coletivos na busca de culpados ou de falhas da sociedade e da cultura que possam trazer um certo apaziguamento em relação ao inominável ou àquilo que sabemos que todos podemos chegar a fazer em situações extremas. Assistimos então análises sobre a situação atual de nossa polícia e as estratégias de suas intervenções, sobre as conseqüências da falta de recursos e de possibilidades de inserção social das classes mais baixas, sobre a facilidade com que a violência pode ser espetáculo, sobre o livre acesso a armas de qualquer natureza, sobre o desalento provocado pela falta dos valores tradicionais da família, etc. Não que estas avaliações não possam e não devam alimentar a necessidade infinita de utilizarmos nossa razão crítica aos caminhos e descaminhos de nossa sociedade humana. Acontece que, em geral elas não computam certas inquietações que acompanham incessantemente os modos de viver e de se estar no mundo. Alguns estudiosos da cultura e da subjetividade já haviam apontado a importância do valor do sexo e da morte em todas as épocas da história da humanidade. É em torno destes dois itens que as sociedades elaboram seu sistema de regras de convivência a fim de distribuir ou repartir entre os indivíduos o poder e o prazer. Se fizermos um pequeno esforço de memória ou de pesquisa poderemos detectar nas produções humanas um insistente ensejo de poder e de prazer na tentativa de dominar o outro em torno do sexo ou da morte. Grosso modo construímos as nossas leis e suas sanções porque sabemos ser impossível haver convivência e agrupamentos sociais sem elas. Sucumbiríamos aos nossos desejos de sexo ou de morte se não tivéssemos uma dimensão extra, simbólica, de cunho ideológico religioso ou não, que nos fizesse renunciar aos nossos atos impulsivos (ou selvagens) em favor de uma convivência com os grupos aos quais pertencemos. Por outro lado, esta distribuição de poder e prazer muda conforme a história. Sabemos o quanto ela já foi caracterizada por uma dominação masculina que ainda habita de certa maneira o imaginário social, em que tanto homens quanto mulheres consentiam que nesta repartição do poder, os homens fossem favorecidos. Não cabe aqui explicitar as razões pelas quais os homens puderam permanecer por tão longo período da história desfrutando de uma parte majoritária na distribuição do poder e do prazer. Fosse porque à mulher coubesse desde sempre portar a reprodução da espécie que gerava uma necessidade de proteção extra, fosse porque a anatomia dos sexos apontava para um ativo e outro passivo, ou ainda porque o prazer sexual feminino escapasse ao entendimento e ao controle, a verdade é que a cultura humana imprimiu uma hierarquia de gênero na distribuição do poder e do prazer que foi substancialmente alterado há algumas décadas. Não são só os homens se encontram perplexos e desorientados diante da abolição radical desta hegemonia que desconstruiu os modelos antes tão organizados dos itens que cabiam a cada sexo, mas as mulheres também penam para aprender a fazer suas escolhas antes tão submetidas à regras coercitivas. Lindenberg e Eloá protagonizam de certa maneira este novo cenário social. Ela escolheu não levar adiante um relacionamento que lhe parecia violento e coercitivo. Ele não aceitou sua recusa e o desmoronamento de seu projeto de constituir uma família com ela. Em um ato de loucura, tentou resgatar um certo roteiro do herói macho e dominador tão incorporado na cultura ainda.


Coluna do dia 28 de outubro de 2008

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