quinta-feira, 25 de junho de 2009

Corpo que dói

Na linguagem médica do adoecer contemporâneo tem sido cada vez mais comum o uso da palavra síndrome, utilizada para designar um conjunto de sintomas que se apresentam numa doença e que a caracterizam. Não que algumas síndromes não fizessem parte do conhecimento humano há alguns séculos,cumprindo o papel de organizar sintomas que a pesquisa das ciências médicas considerou como pertencentes a um mesmo transtorno,na maioria das vezes por contingências genéticas.Mas o que assistimos com freqüência cada vez maior nas últimas décadas é um aumento de síndromes em que a etiologia de seus sintomas são controversas ou ainda desconhecidas. A Síndrome de Pânico, por exemplo, resume e ao mesmo tempo formaliza uma série de manifestações físicas e psíquicas sem fatores desencadeantes aparentes, caracterizadas por sensações assustadoras tais como aflição no peito, taquicardia, sudorese, contrações musculares, medo de perder o controle e sensação de morte iminente. Ao receber tal diagnóstico, o sujeito parece incorporá-lo a sua identidade, conformar-se com a convivência perturbadora destes sintomas inevitáveis( e alheios ao seu conhecimento) e seguir religiosamente as prescrições de seu tratamento, em geral uma mistura de psicofármacos antidepressivos e ansiolíticos. Por não haver consenso médico quanto as causas desta síndrome, alguns encaminham seus pacientes para um acompanhamento psicoterápico e outros não. Estas intervenções psicoterápicas buscadas tanto podem acenar com uma tentativa de construção de um sentido para tais sintomas, quanto podem trilhar caminhos menos “dolorosos” em que serão prescritos comportamentos alternativos, na tentativa de otimizar a vida e acabar com os medos e fobias impeditivos. Bauman, um sociólogo polonês contemporâneo, acredita que na história moderna da humanidade haveria uma alternância entre épocas em que há um grande esforço para organizar o caos e outras em que este ressurge dos restos impossíveis de serem organizados. Se no mundo atual há uma produção infinita de ambigüidades, haveria em igual intensidade uma busca pela coerência, pela lógica, pela razão. Nas últimas décadas surgiram inúmeras somatizações que escapam às classificações nosológicas formais, inaugurando um tempo de convivência com sintomas corporais em perturbações antes totalmente psíquicas. É como se, empobrecidos de respostas emocionais, passássemos a reagir aos nossos conflitos através de sintomas físicos, mais de acordo com nossa era, já que nos exime do saber sobre suas razões e ganhamos a atenção do mundo médico por sua urgência. Os limites do modelo organicista e positivista que evita integrar em seus quadros os fenômenos em que mente e corpo confluem e produzem ruídos de origem aparentemente desconhecida, estaria de acordo com nossa necessidade de neutralizar a interferência de nossa subjetividade, evitando que ela confunda nossa razão. Quem não prefere entregar as dores do corpo a algum saber que se disponha a explicá-las e tratá-las sem que precisemos nos implicar ou conhecer suas ligações com os males de nossa alma? Acreditar que existam fronteiras bem delimitadas entre o normal e o patológico pode nos auxiliar a esquecer ou deslocar partes de nossa história que nos seriam desconfortáveis. Se como interlocutores, não nos interessamos pelos registros imaginários que cada sujeito apresenta quando discursa sobre sua doença, é porque também tentamos nos despir de nossa subjetividade e de todas as dores que nossas paixões provocam. Assim, seguimos calando o sofrimento de nossas almas, produzindo dores no corpo e mais,buscando maneiras de curar tais dores sem que precisemos conhecer seu sentido. Síndrome moderna, nosso corpo parece ter se transformado em vitrine de nossos vícios e virtudes, fraquezas e forças.



coluna do dia 22-07-2008

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