terça-feira, 30 de junho de 2009

Violência e desamparo

A revista Veja da semana passada trazia de volta à mídia o que se convencionou chamar de “caso Isabella” , exibindo na capa as fotos de seus dois protagonistas, Alexandre e Anna Carolina e convidando o público a acompanhar os 200 dias de suas (boas) vidas de cadeia . A palavra “boa” vinha em parêntesis como a provocar o leitor a julgar a medida que deveria ter a vida de prisão do casal . Estaria justa ou o sistema jurídico precisaria tomar medidas mais duras? Ficamos sabendo então, o dia a dia de cada um, suas preferências, os amigos eleitos, as visitas das duas famílias e suas particularidades, os recursos, as chances, etc. Entretanto o que fica mais em evidência na reportagem é que após serem acusados da autoria de um dos crimes mais rechaçados da atualidade, a vida íntima de ambos passou a ser de domínio público e não mais questionamos os limites da exposição de qualquer detalhe sórdido de suas árvores genealógicas como se todos comungássemos de um sentimento coletivo não só de repúdio ao seu ato criminoso, mas de consentimento de que ambos não mais merecem desfrutar dos mesmos direitos de cidadãos comuns como nós. Assim, deixamos de lado a compaixão e damos de ombros a qualquer excesso que seja cometido em suas vidas, já que estes podem ser descontados na imensa dívida moral contraída por ambos após seu repugnante ato. Sem a pretensão de fazer aqui um julgamento moral sobre o caso, pareceu-me interessante trazer a tona algumas questões que ele suscita. Embora o tom da reportagem anuncie uma vistoria sobre a gestão das medidas legais, há também uma intenção nem tão velada, em perscrutar as razões históricas, sociais e emocionais que estariam implicadas no fracasso ou no “erro” humano cometido pelo casal. Seria a família?A criança? O mundo contemporâneo e suas complexas transformações? De certa maneira acompanhamos curiosos o rastreamento destas possíveis explicações, não só por desejarmos que o casal possa ser julgado e punido diante da comprovação de seu crime, mas porque no fundo sabemos da complexidade destes atos violentos cometidos no auge de um descontrole sobre nosso ódio, nossa ira ou nossa dor. Sabemos ser possível desejarmos a morte de alguém que em algum momento de nossas vidas é responsabilizado por nosso sofrimento, e sabemos também o quanto nossa fúria pode magoar, humilhar ou destruir aquele que a despertou. É esta pequena fronteira entre o “mal” que podemos desejar ou sonhar para um outro e o ato de fazê-lo de forma cabal que nos transforma em transgressores e nos coloca à margem da sociedade em que vivemos.O casal em questão já está sendo submetido às nossas leis que cuidam dos que infringem estas fronteiras e produzem uma espécie de “guarda” sobre o convívio humano. O que cabe a nós então, leitores e mídia incluídos? Dividirmo-nos entre os que buscam a verdade sem compaixão, portanto de forma cruel, os que julgam segundo uma moral convencional que lhes foi passada, sem pensar ou refletir, ou optarmos por considerar a particularidade do caso, exercitando nossa ética, aquela que nos obriga a pensar o que este “ato” que devastou a família e todos os seus membros pode nos revelar sobre as realidades incômodas e conflituosas que nos causam sofrimento.

Coluna do dia 02 de dezembro de 2008

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