quarta-feira, 24 de junho de 2009

Escafandros

Para quem não sabe, (eu também não sabia) escafandro é aquela roupa semelhante à de astronautas, impermeável, acoplada a uma espécie de capacete com um conduto respirador, utilizada por mergulhadores que necessitam passar um tempo considerável embaixo das águas. Este nome foi escolhido pelo editor chefe da Revista Elle francesa, Jean-Do Bauby, para fazer parte do título de seu livro “O Escafandro e a Borboleta”. Na verdade, Bauby não escreveu seu livro, mas piscou pacientemente com seu olho esquerdo (único músculo que não foi paralisado após sofrer um acidente vascular) para uma secretária que lhe apresentava o alfabeto e anotava a letra escolhida, tentando relatar o que ia por sua cabeça, presa ao seu corpo imóvel. Alguns dias após o lançamento de seu livro em 1997, Bauby morreu. Dez anos depois, o diretor Julian Schnabel ganhou o prêmio de melhor direção em Cannes e o Globo de Ouro, além de uma indicação ao Oscar, ao transportar para a tela o drama vivido por este editor durante os dois anos em que passou dentro de seu “escafandro”.
O filme merece as premiações principalmente por ter conseguido contar uma história tão trágica e devastadora sem produzir um efeito negativo ou excessivo para o público. Como? Assim que começa, estamos todos “dentro” do personagem, que abre o olho ao sair de sua coma, e tenta entender o que está acontecendo à sua volta. Passamos então, a ouvir a “voz” de seus pensamentos, questionando, esbravejando e percebendo aos poucos a extensão de sua prisão, confirmada quando os médicos lhe fazem o teste fatal, pedindo para que ele pisque uma vez quando quiser dizer sim e duas quando for não. Desolado, ele se inteira de que esta é a única via de comunicação que lhe sobrou com o mundo externo. Mas não conosco, que seguiremos com ele durante o filme, trilhando os caminhos de seus pensamentos, memória, sonhos e fantasias e compartilhando seus sentimentos, dores e até algumas alegrias. Tal aventura não se torna pesada, graças ao estilo do próprio Bauby, acostumado a temperar suas impressões sobre a vida com uma boa dose de ironia. Em vários momentos do filme, gargalhamos com ele ou dele, devido a este precioso dispositivo de não levar nem a vida, nem a si totalmente a sério. Assim como choramos nos momentos em que ele se emociona. É justamente por provocar nossa cumplicidade de forma tão espontânea que, quase sem nos dar conta, aceitamos seu convite para compartilhar seus sentimentos e suas difíceis experiências,entristecidos diante de sua impossibilidade de utilizar a voz para expressar pensamentos ou sentimentos; de coração apertado quando constata e discorre sobre sua dependência absoluta de um outro; angustiados com o limite eterno de seu horizonte ao espaço daquele hospital ou da comunicação com as poucas pessoas que se dispõem a ler um alfabeto e prestar atenção ao seu movimento de pálpebras ao mesmo tempo. Também torcemos juntos quando decide instalar um telefone em seu quarto com alto falante como que convidando as pessoas a não lhe esquecerem, ou retoma um contrato com uma editora para “escrever’ não mais o livro que idealizara, mas a única experiência que lhe resta viver. É assim, através da literatura, que ele decide eternizar sua curta mas intensa vida e ,de forma tocante, nos incita a viver (da melhor forma que pudermos) a nossa.



coluna do dia 15-07-2008

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