quinta-feira, 25 de junho de 2009

Marcas de paixões

Há alguns meses, estive em Ribeirão Preto, cidade que me acolheu na década de 70 quando cursei Psicologia no inesquecível campus da USP, singela e lindamente situado ( também em minha memória) em uma antiga fazenda de café. Apesar de um deslocamento pequeno em todos os sentidos, já que me mudava da vizinha Araraquara, os seis anos que aí morei me possibilitaram perceber e desfrutar do estilo de seu povo, mais cordial, acolhedor e aberto às inúmeras mudanças sócio-econômicas e culturais que assolavam o país e o mundo ocidental na época e nas décadas seguintes. Foi assim que encarei a cidade agora, ao percebê-la pelo menos três vezes maior, exuberante e agitada. Ao me mudar para São Paulo a fim de prosseguir na trilha de meus projetos profissionais, foi também com um olhar estrangeiro, aquele que nos permite capturar as nuances especiais do cotidiano de uma cidade e que passam despercebidos aos que ali vivem, que a elegi de forma amorosa, ainda que soubesse ser possível descrevê-la como o inferno, palco de violências, caótica no seu excessivo contingente humano, e mais algumas dúzias de adjetivos pouco simpáticos. Ainda moro aqui e ela continua morando em meu coração, talvez por ser um dos lugares do mundo onde melhor se consome cultura, das mais diversificadas (arte, literatura, música, cinema, teatro, moda, gastronomia, conhecimentos) a qualquer hora, em inúmeros locais, com muitas pessoas, enfim, onde o mundo parece não parar de produzir algo de novo e interessante. Na última quinta feira, quatro de setembro, eu deveria participar de um congresso em Niterói, cidade que se posta enfrente a baía de Guanabara, berço da cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Embora a maioria de meus colegas optasse por reservar hotéis na cidade fluminense, apostei no vai e vem diário da ponte Rio-Niterói, na esperança de poder desfrutar um pouco do cenário imponente do entre mar, praias e montanhas cariocas. Confesso que minha paixão pela cidade do Rio de Janeiro foi construída ao longo de visitas a ela, em que o conjunto atordoante de sua beleza natural se misturava com um estilo de vida muito singular de seus habitantes, um sotaque especial e sonoro, uma maneira de ser despojada, carinhosa e irreverente. Quando é possível se deslocar da caricatura carnavalesca, erótica ou violenta de seus recortes mais explorados, o Rio é a cara do Brasil “colônia-império-escravos”, com sua arquitetura mista entre o novo, o velho, o cuidado e o descaso, inundado hoje por imigrantes de todas as partes do país. Me deixo surpreender seja pela visão noturna e repentina do Cristo Redentor iluminado, da Lagoa ao amanhecer, do céu colorido do pôr- do- sol recortado pelos morros, da vida pulsando que a cultura de praia e sol impõe aos seus moradores. É difícil ir ao Rio com este olhar de gringo e não cantarolar as letras das músicas da Bossa Nova, já que elas quase são um compêndio do jeito de ser e viver carioca. Três cidades, três histórias diferentes, que compõem ligações amorosas particulares na minha memória. Foi Freud quem nos alertou sobre esta faculdade especial humana de possuir uma memória afetiva. É o que não podemos suportar pelo excesso de afetos que nos inunda, que faz com que tenhamos que “esquecer”, guardando-os de forma inconsciente e deslocada de nossa consciência. Mas o que nos embala, fica em nossa memória seja de qual época for de nossas vidas, e gostamos de lembrar e narrar suas histórias, justificando nosso amor e nossa paixão.

Coluna do dia 9 de setembro de 2008

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