domingo, 21 de junho de 2009

A família “real”

Quem estiver perambulando pelas ruas do Rio de Janeiro pode perceber aqui e ali placas comemorativas dos duzentos anos da vinda da família real para o Brasil. Nelas, ora a imagem de D. João, ora a de D Pedro I nos lembram deste período em que estranhamente fomos sede de uma monarquia. O filme Carlota Joaquina, princesa do Brasil da brasileira Carla Camuratti (1995) tentou capturar este sentimento de estranheza ao retratar o período em que a família real portuguesa, acuada pela invasão das tropas napoleônicas, cruzou o Atlântico e se instalou no Brasil. Além de acentuar o caráter de emergência em que isto ocorreu e as enormes mudanças que o fato acarretou tanto na vida da família real quanto de sua colônia brasileira, a cineasta também privilegiou de certa maneira a caricatura e os arranjos familiares das monarquias de então. Desconstruindo as narrações oficiais, desconcertou os espectadores ao revelar a complexidade de seus protagonistas reais, personagens de uma história escrita à priori, graças as convenções da época e as estratégias montadas pelos que se encarregavam de decidir os destinos políticos dos governos de cada reino. As famílias reais se estruturavam tendo o poder político como sua moeda de maior valor. Carlota Joaquina tinha apenas 10 anos quando se mudou da Espanha para Portugal para ser esposa do então príncipe João e assim cumprir os acordos de posses e poder que uniriam as duas famílias reais. Nascida princesa, seu destino já estava traçado como futuro objeto de trocas deste poder ( ainda que à sua revelia), o que também encerrava um quase certo enfrentamento com outras culturas, costumes e línguas. Acordos políticos e importantes para o futuro de seus respectivos reinos, mas que produziam mulheres confinadas, alienadas e que muitas vezes enlouqueciam. Carlota Joaquina viveu de forma exasperada seu destino, tentando encontrar um sentido para ele dentro deste jogo de poderes.
No inicio de 2007 foi a vez de Sofia Coppola mostrar sua versão de Maria Antonieta, a princesinha austríaca que da noite para o dia se transforma na futura rainha de uma das cortes mais reverenciadas da época. Contrastando com o destino de rudeza e pobreza encontrados por Carlota Joaquina no Rio de Janeiro do inicio do século XIX , Maria Antonieta acaba seduzida e se aliena na ostentação e riqueza da corte francesa, enquanto sua morte é decidida, deflagrando uma das maiores revoluções feitas pelo povo contra seus reis.
Dois filmes, dois reinos, duas mulheres diferentes, mas que tem seus destinos traçados por convenções que transcendem seus desejos. Realizados por conveniência política os casamentos reais, embora também cumprissem a função de constituir famílias e perpetuar descendências, não privilegiavam o relacionamento amoroso entre o casal já que os vínculos afetivos entre os cônjuges não eram importantes.
Este modelo familiar passa a desmoronar quando as pessoas começam a se desvencilhar das marcas e das determinações da tradição e da religião e a construir a si e a sua trajetória pessoal durante a vida. Aos poucos a família passa a ser regida por uma lógica afetiva e romântica, em que o casal se escolhe sem a interferência dos pais ou de outros, configurando apenas uma busca de satisfação amorosa e sentimental. Os filhos, antes seres pouco importantes e periféricos, transformam-se em núcleo central das famílias, inaugurando um novo e reverenciado modelo familiar que se compromete em assegurar à criança o direito ao amor e ao acolhimento no mundo humano.
Na era atual, os pares se formam sem a imposição de um casamento formal, e a decisão de serem pais se desvencilhou de suas antigas regras. Resta-nos formular perguntas e encontrar respostas que legitimem a pluralidade das famílias e das novas formas de ser pai e mãe, sem nos esquecer que o “real” da família é que ela é um produto cultural e tanto seu valor quanto sua estrutura modifica-se ao sabor da história.

coluna do dia 1/04/2008

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